O trabalho de Lucas Costa, PHD em Ciência Política e coordenador de um grupo de pesquisa da Unesp/Araraquara, foi levado ao 81ª Conferência Anual da Associação de Ciência Política do Meio-Oeste (MPSA), em Chicago (EUA)
Quem mais se beneficia pela inclusão de direitos sociais nas Constituições do Brasil ao longo do tempo e como diversos países se influenciam na legalização desses direitos? Essas são algumas das questões que o trabalho da equipe coordenada por Lucas Costa vem buscando responder e cujos resultados foram apresentados recentemente na Conferência Anual da Associação de Ciência Política do Meio-Oeste (MPSA) em Chicago (EUA).
Desde 2017, o pesquisador se dedica a desenvolver um modelo metodológico que parte de análises qualitativas e atribui codificações que permitem pontuar e comparar documentos constitucionais de países de todas as regiões do mundo, dentro de uma escala cronológica. Atualmente o banco de dados do projeto codificou e atribuiu pontuações para 513 documentos, incluindo todas as constituições, vigentes e históricas, de 89 países.
A análise da evolução histórica da constitucionalização dos direitos sociais no Brasil a partir da identificação de padrões legais que se difundem entre diversos países do mundo revela desproporções e singularidades.
“O conteúdo das constituições é produto, um pouco do empréstimo de ideias que já estavam em constituições anteriores. A gente tem, tradicionalmente, aquela ideia de que a Constituição é um evento doméstico, mas elas não são. As constituições já se copiam muito umas às outras e a gente consegue reconhecer algumas tradições”, explica Costa.
“Cidadania Regulada”
O pesquisador trabalha com o conceito de “Cidadania Regulada”, desenvolvido pelo cientista político brasileiro Wanderley Guilherme dos Santos no final dos anos 1970.
O termo se refere a uma cidadania estratificada e condicionada à inserção profissional formal, em contraponto a uma cidadania universal, baseada na igualdade de direitos para todos os indivíduos, independentemente de sua ocupação.
O padrão de “cidadania regulada” implementado no Brasil, é observado especialmente durante o período do Estado Novo (1937-1945), sob o governo autoritário de Getúlio Vargas, que privilegiava a categoria dos cidadãos identificados como trabalhadores.
“O Estado conseguia controlar quem tinha direito a ter direito. No caso, não todos os trabalhadores, mas os trabalhadores formais, com carteira assinada, que eram sindicalizados. Eu consegui observar que esse padrão também se reflete do ponto de vista constitucional, porque em 1934, quase 80% dos direitos constitucionalizados são direitos sociais constitucionalizados relacionados ao trabalho”, ressalta Costa.
Singularidade
Essa proporção é uma singularidade do Brasil, porque no restante do mundo a fração referente a esse tipo de direito se restringia, em média, a cerca de 30%.
De acordo com o pesquisador, “embora esse percentual tenha sido reduzido ao longo do tempo, se aproximando ao que se observava no restante do mundo, a Constituição de 1988, promulgada após o período de ditadura, tornou universal o acesso a diversos direitos sociais, não apenas os relacionados ao trabalho, mas Saúde e Educação, por exemplo”.
“O Brasil é o segundo país com maior pontuação nesse quesito, atrás apenas do Equador”, revela o pesquisador.
Papel da Sociedade
Costa destaca o papel desempenhado pela igreja, sindicatos, associações e entidades da sociedade civil organizada nesse período de debate constitucional para convencer os constituintes da necessidade de assegurar direitos sociais com base em critérios universais, ou a chamada “cidadania plena”.
A atuação foi coordenada de modo tão eficiente que resultou na promulgação de uma das Constituições mais avançadas, em termos de reconhecimento de direitos sociais. O que demonstra a importância de a sociedade acompanhar atentamente as discussões que, de tempos em tempos, são reabertas para reavaliar o alcance dos direitos sociais.
“No Brasil, todo esse movimento democrático de participação pública por meio de diversos grupos organizados, especialmente na área do trabalho, gerou grande impacto e influência. Logo depois foram surgindo em diversos países da América Latina, com várias iniciativas constitucionais com expressivos avanços em termos de direitos sociais”, avalia Costa.
Difusão dos direitos constitucionalizados e a qualidade das democracias
Os resultados do estudo se referem apenas ao primeiro ano de trabalho do grupo de pesquisa coordenado por Lucas Costa, que conta com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
O trabalho, com duração prevista de cinco anos, prossegue para analisar a influência de outras variáveis e especialmente avaliar os impactos também para a qualidade dos indicadores de qualidade das democracias.
Quem se interessa por essa temática da difusão de direitos sociais pode acompanhar a publicação de um novo artigo a ser publicado em breve pelo “International Journal of Constitutional Law”, um periódico de alto impacto editado pela Universidade de Oxford, do Reino Unido.
Diálogo e convergência de conhecimentos
O pesquisador Lucas Costa considera que já existe um diálogo muito bem estabelecido entre o campo das ciências sociais, ciências políticas e o Direito, mas avalia que a formação específica em Direito é uma habilidade que vale a pena ser desenvolvida.
“Eu gostaria de ter feito esse curso antes. Acho que se eu pudesse dar um conselho, conversar comigo mesmo mais novo, diria para fazer Direito”, confidencia Costa.
Para o coordenador do curso de Direito do UNISAL/Americana, Kleber Cavalcanti Stefano, a discussão travada entre estudiosos da “cidadania regulada ou reprimida” e a “cidadania plena” não poderia ser mais atual. Compreender a evolução histórica da constitucionalização dos direitos sociais no Brasil, identificar as variáveis que influenciam no processo e resultam em certas caraterísticas tão peculiares, pode contribuir para discussões cada vez mais amplas e fundamentais para a busca de uma sociedade mais justa e igualitária.
“É uma contribuição enorme. Trata-se de um trabalho valioso não apenas para áreas específicas, como o Direito Constitucional ou Direito do Trabalho, mas também para ser debatida no nosso Núcleo de Direitos Humanos e para o ambiente do Direito como um todo”, avalia Stefano.
Texto: Reberson Ricci Ius, da Coordenação da Comunicação e Marketing do UNISAL.